Zoomer State of Mind

Sempre acreditei que o conceito de "geração" como se tem nos Estados Unidos não era exatamente aplicável ao Brasil mas, conforme os anos foram passando, percebi que eu estava errado. Não totalmente, afinal de fato existem diferenças entre os boomers americanos e os brasileiros porém, conforme fui observando mais gringos e mais brasileiros, ficou nítido para mim que quanto mais jovens, mais eles se parecem. E isso é um fenômeno incrivelmente irritante, o verdadeiro imperialismo americano.

Qualquer um que me conhece ou já me ouviu falar de qualquer coisa que admiro provavelmente vai achar estranha minha reação, afinal eu sou profundamente influenciado por cultura americana, provavelmente uso inglês e português quase igualmente em meu dia-a-dia e, se não interagir com ninguém, é quase certo que pratico mais a língua dos nossos colegas norte-americanos. Isso se reflete no meu imaginário e no conteúdo que consumo, e para provar basta ver o que já publiquei aqui — textos sobre jazz, gênero musical tipicamente americano, Bob Dylan, cantor-compositor americano, Frank Zappa, compositor americano, um sobre uma epifania causada por Nas, um rapper americano, e ainda uma semi-biografia de Escalator Over the Hill, uma obra de jazz de uma compositora americana. Neste exato momento estou de frente para um armário cheio de livros, e os oito primeiros são ou de ou sobre americanos. Então o que me incomodaria nos jovens estarem importando conteúdo americano?

Eles não importam verdadeira cultura americana, mas maneirismos americanos — americanismos, se me permitir. E essa maneira de enxergar as coisas não era exatamente comum no Brasil até, provavelmente, a década de 2010, quando o Facebook tomou o Orkut como principal rede social para brasileiros. Enquanto o Orkut, por mais falho que fosse, era uma espécie de redoma para proteger o brasileiro do conteúdo do exterior, não só por essencialmente só ter brasileiros mas também por ser organizado em comunidades em vez de um feed, o Facebook inverteu isso completamente. Agora aquele amigo esquisito que vai para reuniões do DCE na universidade falar de política publica e não só as pessoas de uma comunidade fechada vêem, mas todos que têm o indivíduo em sua lista de amigos. Que atraso.

Mas o ponto é que os responsáveis por isso foram... os millenials! Os millenials são os absolutos responsáveis por importar americanismos de Twitter para cá. Deixamos de ser o país da bunda e do carnaval para ser uma imitação de terceiro mundo do pior dos EUA. E aqui explico: o pior dos EUA é a cultura "limpinha" hollywoodiana, de celebridades politicamente corretas — algo que não é novidade e existe em diferentes formas há pelo menos 50 anos, mas eu argumentaria que quase 100 — e de consenso progressista. Não se trata de cultura americana de verdade, do Great American Songbook, de Hemingway, Melville, do blues, do country, de Gershwin ou de Ellington, mas do lixo comercial que sempre existiu e costumava ser considerado imperialismo americano. Isso seria um tema para outro texto, mas pegaram o puritanismo americano, derivado do inglês pelos founding fathers, e criaram um monstro politicamente correto que reina em absolutamente qualquer rede social que você puder imaginar. Aquela recrutadora do LinkedIn que tem o lado da cabeça raspado e um piercing no nariz provavelmente é uma millenial, aquele rapaz que assiste todos os filmes da Marvel e tem um emprego de uma vaga que poderia muito bem ter sido sua, caso te dessem oportunidade, muito provavelmente é um millenial.

Essas observações sempre estiveram ali no fundo da minha mente, mas fui inspirado a escrever algo ao assistir uma discussão do Guilherme Freire sobre diferentes gerações. É meio grosseiro e bruto resumir um vídeo de mais de uma hora como irei fazer, mas vale a pena porque ele se expressou maravilhosamente bem, ainda que eu não esteja totalmente de acordo com suas conclusões sobre cada geração. Para Freire, temos:

A análise de Freire é, até onde consegui perceber com minhas próprias observações, muito acurada, mas tenho minhas discordâncias e acredito que tenho certo posicionamento geracional favorável para o embasamento de minhas visões.

Não posso comentar tanto das gerações X e Y (Millenial), mas pelos que conheço, Freire gabaritou o que foi dito sobre os gen X-ers. Mas tenho parentes que são millenials e até alguns amigos que são jovens millenials e tendo a ter algumas discordâncias quanto a eles, mas nada muito grande quanto em relação aos zoomers.

Boomer dos zoomers

Enquanto um zoomer velho, um boomer dentre os zoomers, eu estou numa posição privilegiada para comparar o fenômeno que destaquei ali atrás, as discrepâncias ideológicas. De fato, os zoomers se dividem em grupos extremistas sem muito meio termo — o que, se for genuíno, ao menos indica que eles têm alguma coragem de sair do meio-termo morno que definiu a política boomer, a política mainstream "limpinha", do que é aceitável de ser dito, do centrismo, mas isso dificilmente é um fenômeno do grupo de pessoas que se encaixam no grupo de zoomers, mas da definição de geração em si.

A primeira vez em que notei esse fenômeno, que é absolutamente real, foi entre mim e uma pessoa 6 ou 7 anos mais nova que eu. Quando eu era adolescente, fui forçado por circunstâncias a explorar a internet, aprender a usar torrents, fuçar fóruns e discussões online para encontrar as coisas que eu queria. O uso de fóruns provavelmente morreu ao longo de minha geração, mas eu tive oportunidade de usá-los por certo tempo, e isso foi excelente para minha familiarização com tecnologia. Não existiam Spotify, Netflix (e, extendendo para a vida não-digital, Uber Eats e Ifood) nem nada similar para me guiar pelas mãos até onde eu queria chegar. Senti certa agonia ao ver uma pessoa jovem não conseguir encontrar o que queria quando era algo extremamente fácil, até nos tempos de internet progressivamente mais castrada que temos hoje, e na época provavelmente fui mais grosso e rígido do que eu deveria ser.

Mas o sentimento continua sendo justo. Não éramos nós — a geração Z — que entendíamos de tecnologia e éramos consultados pelos adultos para solucionar tudo, desde problemas na televisão a instalação de anti-vírus no computador? Sim, éramos. E foi aí que percebi que eu não sou da mesma geração que esses mesmos zoomers. Essa diferença certamente existe entre os mais jovens, k-popeiros de Twitter, e os mais velhos e cansados como eu.

O mesmo vale para a questão da "black pill". Os zoomers mais velhos já estão no mercado de trabalho e, como o próprio professor apontou, passam por dificuldades absurdas por não terem sido preparados para isso, seja por uma educação fraca e ultrapassada ou por redomas criadas por gente de gerações anteriores para protegê-los. É praticamente inevitável ter certo pessimismo e indiferença quando se está nessa posição, e falo por experiência própria. E aqui eu acredito que posso expandir no que é o problema, e o próprio Freire já apontou para isso, ainda que não tenha sido a primeira pessoa a falar nisso com a qual eu tive contato.

Boomer state of mind — a Economia Boomer

Economia Boomer não é um termo que eu inventei. Luke Smith, o Unaboomer, provavelmente foi a primeira pessoa usando esse termo que eu cheguei a ver. O que ele quis dizer por "economia boomer" é exatamente o que soa: a maneira boomer de enxergar a economia. Nos EUA e progressivamente mais no Brasil, isso significava basicamente: ir para a universidade, se dedicar, ir para uma empresa que exige diploma para um bom cargo, crescer lá para poder sustentar, quando muito, seu único filho de uma maneira extremamente "sheltered".

Boomers não entendem que isso é insustentável porque eles não conseguem compreender o funcionamento de um sistema econômico fora dessa estrutura. Para a geração boomer, realmente, um diploma era um diferencial, afinal, como o professor Freire aponta, os níveis de analfabetismo eram altos, e especialmente numa época onde absolutamente tudo era estatal, se tornava uma garantia de concorrer a uma vaga extremamente farta. Mas conforme seus filhos e netos vão passando pelo mesmo processo, a realidade se impõe, e acaba que temos diplomas demais para empregos de menos, então cargos básicos começam a ser mais e mais exigentes. Mas a verdade é que ter um diploma deveria ser visto como diferencial negativo.

O problema é mais fundo que isso, ainda. Eu diria que a ideia de que educação deve ser algo para formar pessoas para o mercado de trabalho é o epítome da economia boomer. Obviamente não concordo com educação revolucionária — ou centralizada de qualquer forma, diga-se de passaem. Meu ponto é que a educação deveria ser para um desenvolvimento intelectual, estético, criativo e humano da pessoa. Meu ensino formal foi completamente zumbificado do começo ao final. Os bons professores que tive, carrego para sempre comigo em minhas memórias, mas no geral foi tudo um grande borrão me preparando para provas inúteis no grande esquema das coisas.

Especialmente dando aulas particulares como tenho feito recentemente, vejo que o papel da escola é suprimir absolutamente qualquer resto de alma que o aluno possa ter. Felizmente no Ensino Médio estudei numa escola que, por mais voltada para vestibular que fosse, deixava os alunos absurdamente livres (ao menos nos dois primeiros anos) para fazerem o que bem entendessem desde que suas obrigações básicas fossem cumpridas. Isso me permitiu estudar Cálculo e ler Economia Austríaca, mas ainda que esses interesses paralelos se desenvolvessem, não existia incentivo algum para criar algo deles. Era sempre algo de segundo plano quando, como já foi dito, o ensino formal é fadado ao fracasso.

Os sintomas dessa mentalidade aparecem em todos os cantos. Certa vez, um amigo meu falou sobre delírios de grandeza de pessoas mais jovens, de ver filmes e quererem ser atores globais, ou quererem ser esportistas famosos, ou pior ainda, quererem ser influencers, quando suas famílias têm negócios tradicionais. Morei por vinte e três anos na mesma quadra e, por vinte e um desses anos existiu uma mesma loja de salgados. Quando a dona faleceu, suponho, seus filhos tomaram o negócio para si. Em poucos meses o espaço havia sido vendido. Não existe mais continuidade familiar nos ofícios.

Isso pode soar conformista da minha parte, soar como se eu dissesse que toda ambição que se pode ter deva ser reprimida e combatida, mas no fundo é exatamente o contrário, é buscar as suas ambições e não aquelas que são de outros, seja de boomers que esperam que você estude 5 horas por dia para concurso por 2 anos ou de globalistas que ganham ao te tornar eternamente dependentes de um desejo irreal de fama e status.

I'm losing status at the high school
I used to think that it was my school
Wah wah wah wah
I was the king of every school activity
But that's no more
Oh, mama, what will come of me?

— "Status Back Baby", Frank Zappa

Freire apontou (muito bem, aliás) que para o boomer, basicamente a vida "é só você fazer Direito, Engenharia ou Medicina que você vai conseguir comprar um apartamento", algo que é absolutamente irreal. Não só isso, "diplomas valem nada em 2022", e sobra até para concurseiros, já que diploma não é mais diferencial e a concorrência é essencialmente infinita.

A minha geração foi a primeira a sentir de maneira mais forte a pressão da realidade quebrando a visão de mundo da economia boomer, e ver nitidamente a decadência do heroísmo. O youtuber EmpLemon frequentemente trata em seus documentários exatamente isso, ainda que em assuntos inesperados e talvez, ao primeiro relance, sem relação entre si. Mas em um episódio de um programa chamado BreakTheRules, ele fala exatamente sobre a decadência desse espírito americano vago e como a geração boomer foi a responsável por isso.

O professor gabaritou a situação da geração Z no mercado de trabalho. Eu passo exatamente por isso, então garanto por experiência própria. A educação fraca, a escassez de empregos por causa de millenials dominando o mercado tradicional boomer, a resistência ao ambiente corporativo — tudo isso é uma luta diária para pessoas em situação similar à minha. E, em particular, eu sei exatamente qual foi minha maior dificuldade, e novamente o professor acertou em cheio:

"Não seja passado para trás por conselho de boomer que não tem noção do mundo."

Minha família é exatamente isso. Meus pais são dos meio e fim dos anos 50 e eu do final dos anos 90, é de se esperar que o gap entre as nossas realidades seja absurdo. A visão dos meus progenitores sempre foi a mais careta o possível, em essencialmente todo tipo de assunto que se puder imaginar. Não os culpo (totalmente), afinal isso é provavelmente em grande parte produto do tempo e do meio, mas isso vai de opiniões sobre o mercado de trabalho até visão política. Assim como a política boomer é completamente focada em aparências, o compreendimento do boomer do mercado de trabalho é também puramente baseado em aparências. "Olha ali aquela pessoa publicando no LinkedIn um textão de agradecimento para a empresa..."

Não adianta ouvir essas pessoas para conselhos para sobreviver nos anos 2020. Você vai passar por dificuldades extremas se repetir meu erro.

Freire só colocou muita esperança em empregos não-tradicionais, como de programador, mas a realidade é que esse mercado também está ficando saturado. Eu mesmo tento focar na área de ciência de dados mas vejo na pele a dificuldade. É verdade que provavelmente não me dedico tanto quanto deveria para me especializar, mas ainda assim não é como se existissem muitas oportunidades de entrada quando sempre colocam pré-requisitos completamente fora da realidade em vagas como trainee ou júnior. Mas, de fato, ainda é melhor esse mercado que o tradicional.

O que eu herdei das gerações anteriores é análogo a um vício em alguma droga. A economia boomer e todo o seu keynesianismo só serviram para criar um vício geracional que aliena as pessoas do problema real: empregos servem para gerar riqueza e suprir necessidades. Funcionários públicos frequentemente servem para o contrário dessas duas coisas, empresas grandes, para manter uma imagem corporativa positiva, frequentemente empregam pessoas que fazem o contrário de ambas as coisas (sim, estou olhando para vocês, galera de Recursos Humanos), e assim por diante.

Nada disso é sustentável, e sinto que estamos perto do fim da economia boomer.

Failure is one of those things that 'serious people' dread. Invariably, the persons most likely to be crippled by this fear are people who have convinced themselves that they are so bitchen they shouldn't ever be placed in a situation where they might fail.

Failure is nothing to get upset about. It's a fairly normal condition; an inevitability in ninety-nine percent of all human undertakings. Success is rare — that's why people get so cranked up about it.

The Real Frank Zappa Book

Vai soar romantizado, mas o papel do empreendedorismo é algo meio heróico, criar algo novo a partir do nada sem ter certeza alguma de qual pode ser o resultado. Eu tenho extremas dificuldades com empreender, e provavelmente muito tem a ver com o medo do fracasso, e isso nitidamente teve consequências nefastas para mim.

A economia boomer de uma maneira psicológica serviu para gerar conformismo nas gerações futuras, e foi muito bem sucedida, afinal qualquer pensamento que envolve rompimento com o status-quo dela causa ansiedade profunda naqueles como eu. O ideal é não deixar essa ansiedade te controlar ou te impedir, eu sei, mas se você entender o que ela é, é perfeitamente compreensível alguém ficar paralisado diante de algo assim.

Pense, pedir para a minha geração começar a mudar algo do nada sem nenhum suporte das gerações anteriores, sem nenhum exemplo familiar que tenha feito isso, com todas as experiências até o ponto de entrada no mercado de trabalho sendo extremamente burocráticas e voltadas para a economia boomer, é insano. Somos jogados a uma escolha cruel e completamente arbitrária, afinal não vemos como que as coisas chegaram a esse ponto: ou vamos para a economia boomer, que está fadada ao fracasso, ou vamos para algo sobre o qual não só não temos conhecimento como também ninguém do nosso círculo social, da família aos amigos, tem.

"Geração pós-moderna"

Nesse ponto eu concordo apenas parcialmente com o que Freire disse. O professor apontou a geração zoomer como a mais pós-moderna das que ele discutiu, mas não consigo enxergar isso, ao menos não da maneira como entendi ele ter dito. Não vejo como a geração das microagressões, nem como a geração mais sexualmente variada como ele apontou, essa tocha fica para os millenials, especialmente os mais novos.

Um exemplo que vi de perto de zoomers vs millenials que me faz ter perfeita noção disso foram as controvérsias do Pewdiepie em 2017, 2018. Todo o ataque feito ao youtuber por ele ter feito piadas mais edgy do que o permitido veio de instituições tradicionais, que o próprio Freire disse, depois, serem dominadas por millenials. Os millenials tinham o dedo moralista puritano americano apontado para o sueco, e não pararam com isso até hoje. A minha geração foi precisamente a que defendeu o youtuber e fez campanhas para ele — subscribe to Pewdiepie! —, e acredito que seja em parte porque a minha geração, no fundo, não tem muita paciência com instituições de mentalidade boomer, isto é, "limpinhas", corporativas e mornas.

Isso provavelmente tem efeito em transformar pessoas da minha faixa etária em um dos dois casos: ou alguém completamente dormente a esses efeitos, que já desistiu e só faz o que tem que fazer para evitar problemas, ou alguém que se rebela constantemente. Mas duvido muito que as pessoas da minha geração, mesmo aquelas que se dizem ofendidas, realmente se importem com a ofensa. A internet mostra muita coisa ofensiva diariamente, muitos de nós já estão calejados, mesmo os jovens. O que os que dizem estarem ofendidos fazem, no fundo, é criar uma persona corporativa, de maneira consciente ou inconsciente, reprimindo a sua verdadeira individualidade e suas verdadeiras visões.

De certa forma, os millenials são mais pós-modernos do que nós. A geração zoomer é jogada à "thrownness" existencial, para usar o termo de Heidegger, que mencionei no tópico anterior, é algo completamente diferente. O professor apontou que os zoomers são apáticos, costumam ser "consoomers" por não sentir nada com muito significado. Como já foi dito, a black pill é absolutamente associada ao zoomer.

"Todos zoomers são tristes"

Nessa frase, algum membro da audiência acertou em cheio. Zoomers não têm mais nenhum contato a nenhuma causa ou nenhum ideal moral que nos dê alguma profundidade. Inclusive, sempre achei que isso explicasse o comportamento autodestrutivo de pessoas da minha geração. Sempre me incomodei com a cultura de festinhas, bares, bebedeira inconsequente, mas se observarmos sob essa lente, ela é uma consequência meio óbvia. Se não temos nenhum propósito, o que sobrou?

Li este ano o livro Tales from the Jazz Age de Scott Fitzgerald, e minha sensação foi de que o espírito dos anos 1920 está voltando com tudo nos anos 2020, depois de um período poético de um século. A diferença da geração adulta nos anos 1920 para a nossa é que eles ao menos tinham certa prosperidade econômica, mas nós só temos vícios em smartphone que nos ilude com prosperidade.

Percebi, então, que o que permeia minha geração não é o espírito pós-moderno, mas o espírito existencialista. E assim como os existencialistas, temos extremistas em todas as direções, afinal o que existencialistas querem é, acima de tudo, sentir algo. Os zoomers são a geração mais extremista que até hoje temos, e o próprio Freire concorda com isso: "[o zoomer] redpilla muito cedo pelo contato com a internet e rompe completamente com a própria geração e os resquícios boomers."

De fato, todos os zoomers são tristes. Não me parece ser coincidência a explosão de figuras como Jordan Peterson na mesma época do Pewdiepie, ambos tendo uma gigante influência dentro da audiência zoomer. Lendo Dostoiévski nos Escritos da Casa Morta, a primeira coisa que pensei ao terminar o livro foi "hm... eu mereço ser mandado para a Sibéria". O que minha geração busca é alguma maneira de aliviar essa dor e essa tristeza existencial da qual é impossível fugir. Eu faço isso o tempo absolutamente inteiro. Das gerações anteriores, a X é a única que fazia a mesma coisa — não é exatamente esse o espírito de filmes como Rocky e Rocky III, ou da franquia como um todo, contraposto ao sonho de ser o floquinho-de-neve especial que vai ser chamado para Hogwarts dos millenials, ou a eterna bebedeira dos boomers em um sistema econômico que simplesmente não existe mais? —, mas a diferença é que nós estamos em um contexto social e econômico completamente diferente.

Em determinado ponto da live, ele pergunta a idade com a qual a audiência zoomer "redpillou", e as respostas são sempre novas demais, por causa de contato com a internet. Meu caso foi aos 15 anos, e possivelmente por causa disso eu sempre tentei mostrar que minha identidade era diferente da usual. Isso causou uma variedade de extremismos absurda dentro do mesmo grupo de faixa etária ou, como o professor colocou, "o fim do consenso". Perto das diferenças entre visão de mundo dos zoomers, a diferença boomer de apoiadores do PT a defensores da ditadura militar é ínfima. Zoomers vão do nazismo ao anarcocapitalismo. Ou, como o professor fala, "vai desde admirador de missa tridentina a larper (lembrando que LARP nada mais é que "live-action role play") de comunismo, admirador de Stálin", como Freire colocou. O único erro disso é não considerar o larping dentro dos admiradores de missa tridentina.

Sobre isso, falo com propriedade absoluta: o que mais existe na minha geração é larping, e essa é minha maior crítica ao professor Guilherme Freire. Ao não chamar atenção de sua audiência, que é em parte formada por zoomers, ele incentiva o larping.

Conheço várias pessoas, de absolutamente todas as ideologias e visões, que fizeram algo como "ideology hopping", para roubar o termo "distro hopping" da galera do Linux. Pessoas que costumavam ser libertárias e passaram a ser fascistas, ou que eram atéias até o osso e do nada viraram cristãs ortodoxas — ou vice-versa. Esses casos existem aos montes, e acredito que seja consequência dessa condição existencial que menciono desde o começo. Assim como os existencialistas poderiam incluir Kierkegaard, Paul Tillich e Karl Jaspers, pegando de ideias cristãs de pessoas como Pascal e Dostoiévski, podem incluir Heidegger, Sartre e Nietzsche. Assim como os existencialistas, o que os zoomers mais querem é serem indivíduos. E, colocando nesses termos, é fácil de entender como tantos caem em LARP.

Geração incel

Freire apontou que relacionamentos seriam incrivelmente difíceis para zoomers. E... é verdade.

Não falo de relacionamentos no sentido "Friends" da coisa, mas de relacionamentos reais. É muito fácil para qualquer um da minha geração que simplesmente queira sair com alguém fazer isso, mas construção de relacionamentos realmente profundos é algo virtualmente impossível. Primeiro porque, talvez como outro membro da audiência falou, a geração está dividida entre "lacradores de esquerda versus incels de direita", que Freire descreveu como "cruel, mas tem algo de real". As diferenças de visão de mundo são tão grandes que a minha geração prefere se alienar completamente em suas próprias bolhas, sobrando pessoas desconstruídas fingindo não ter depressão de um lado e pessoas ressentidas do outro.

Se unirmos isso com o que foi dito antes da black pill dos zoomers, surge um sentimento profundo de impotência também no aspecto de relacionamentos na minha geração. O professor apontou muito bem isso, e tentou dar uma ideia positiva ainda: "não acreditem também que é impossível vocês casarem e terem filhos." Mas é difícil muitos de nós acreditarem nisso.

Minha localização nisso tudo

The truth was obscure, too profound and too pure
To live it, you had to explode
In the last hour of need, we entirely agreed
Sacrifice was the code of the road

— "Where Are You Tonight? (Journey Through the Dark Heat)", Bob Dylan

Freedom just around the corner for you
But with the truth so far off, what good will it do?

— "Jokerman", Bob Dylan

Eu sou nascido em Brasília, e vivi minha vida inteira, até agora, nessa cidade. Isso inquestionavelmente tem um efeito de "privação sensorial", como Scott coloca. Você perde noção do que é estar feliz, triste ou com raiva, e tudo se torna só um meio-termo cinzento, como se misturassem massinha de modelar de diferentes cores até se tornar aquele negócio sem propósito. Sem sombra de dúvidas isso potencializa toda a minha questão geracional, e unindo isso ao meu temperamento já voltado para o lado depressivo, não ajuda nem um pouco.

A "thrownness" da minha geração faz termos dificuldades imensas para nos encaixar em qualquer coisa. Encontrei em parte da cultura americana muitas influências para mim, e quase todas eram voltadas para esse sentimento de expressão, ou no mínimo busca, por individualidade. As citações do Frank Zappa não são aleatórias, ele é uma das minhas maiores influências não só estéticas como também em visão de mundo, por mais que eu frequentemente discorde de algo que ele fala, porque ele se impôs no mundo, de maneira racional e razoável, apesar de tudo e todos apontarem-no como um louco.

De fato, como os existencialistas colocaram, ao menos sou livres para tomar minhas próprias ações, então sou responsável pelo meu sucesso e, para meu próprio terror, pelo meu fracasso — talvez eu infelizmente seja uma das "pessoas sérias" —, e esse terror, provavelmente fruto de eu me achar bom demais para certos ofícios, me atrapalha horrores no mercado de trabalho. Tenho sensação de que minha geração foi prometida mundos e fundos apenas para encontrar uma realidade cinzenta na vida adulta. Definitivamente foi meu caso.

Isso me faz ter, até certo ponto, uma simpatia com os pós-modernos, o que é algo até polêmico de se dizer, mas acredito que até alguém como Pedro Sette-Câmara concordaria comigo nisso. Ora, se não temos mais os valores anteriores, se não fazemos parte de uma continuação de tradição, se os boomers nos tiraram dos "caminhos naturais" dos negócios familiares e nos jogaram na economia boomer, não precisamos nos inventar? E não é exatamente isso que os pós-modernistas tentam fazer... até certo ponto...?

Quanto à "tristeza zoomer", eu definitivamente tenho tendências a ser mais deprimido que a maioria das pessoas, e meu resultado do Big Five, por mais inacurado que tenha sido em alguns aspectos, apontou para algo similar. Sou notoriamente apático, tenho medo de encarar morte de alguém querido e não sentir nada muito profundo, e sim, assim como todos os zoomers, eu sou triste. Ao mesmo tempo que "tomei a red pill" quando era adolescente, as doses cavalares de black pill que tomei ao ver o curso das coisas me tornou muito orientado a ver as coisas com certo pessimismo realista. Ver pessoas ao meu redor, da minha geração, que não entendem o milagre que é absolutamente qualquer coisa ser minimamente funcional me faz também ficar ainda mais pessimista com o rumo das coisas. Se não conseguimos apreciar o que temos, por mais problemático que seja, só vamos entrar num ciclo de reclamação eterno. Passar por dificuldades financeiras, ainda que não extremas, certamente me deu mais perspectivas nesse tema, e hoje não tenho muito além de gratidão pelas coisas que ainda tenho, porque sei que a qualquer momento tudo pode acabar.

Essas tendências pessimistas não são meramente sobre o mercado de trabalho, mas quanto ao contexto cultural e social moderno, e também na questão de relacionamentos. Não acho que exista verdade e honestidade suficiente na minha geração, e muito menos nas anteriores, para que seja comum a existência de relacionamentos saudáveis em um nível suficientemente sustentável.

Practisissing, practiss, practicing
Half a dozen provocative squats!
Out of the shower, she squeezes her spots,
Brushes her teeth, shoots a deodorant spray up her twat...
(It's getting her, getting her hot)
She's just twenty-four and she can't get off
A sad, but typical case, yeah!
Last dude to do her got in and got soft,
She blew it, and laughed in his face, yeah!

— "Shove It Right In", Frank Zappa

Step right into the burning hell
Where some of the best-known enemies of mankind dwell
Mr. Freud with his dreams, Mr. Marx with his axe
See the raw hide lash rip the skin from their backs

— "My Own Version of You", Bob Dylan

Acredito que a "hookup culture", cultura de relacionamentos casuais com o mínimo de significado possível, que provavelmente era restrita a um tipo muito específico de pessoa problemática nas gerações anteriores (como as groupies da citação de "Shove It Right In"), foi intensificado na cultura millenial jovem, e hoje é a norma dentre zoomers. Praticamente não existe alternativa para pessoas que não sejam religiosas, como Freire disse, mas provavelmente não deve existir muita coisa mais herética do que se converter por causa de possibilidade de conseguir parceiro. Inclusive, existe um episódio de Seinfeld em que o George faz exatamente isso, e ironicamente é para a Igreja Ortodoxa, que é alvo de fetichismo de praticamente todos os ortodoxos brasileiros que conheço — todos zoomers.

É difícil não olhar para essas coisas, estando de dentro da geração Z, e não ter certo desencanto, não sentir certo desconcerto com a ordem das coisas. Claro, eu sei qual seria a sugestão de Freire — conversão ao catolicismo —, e eu entendo o porquê disso. O problema é que, por mais que eu tenha certa admiração por diversas religiões, incluindo a Católica, eu olho para o LARP e somente considero conversão a qualquer religião se eu não estiver assim. Não quero ser um dos milhares de zoomers que se agarram a qualquer coisa que lhes dê resposta, até eles não gostarem mais das respostas e irem para outro extremismo.

E observe que meu problema não é com o radicalismo em si, mas com a postura diante dos supostamente próprios valores.

Por quem eu o tomo? Eu o tomo por uma daquelas pessoas a quem podem arrancar os intestinos que ela vai se manter firme e olhar rindo para os torturadores - desde que encontre a fé ou Deus. Então, encontre e irá viver. O senhor, em primeiro lugar, está precisando mudar de ares há muito tempo. Bem, o sofrimento também é uma boa coisa. Assuma o sofrimento. Mikolka talvez esteja certo ao desejar sofrer.

— Crime e Castigo, Fiódor Dostoiévski

Como Freire, eu acredito que uma das principais coisas a se fazer para os zoomers é romper com o americanismo. Não estou dizendo que é para jogar fora a cultura americana, elogiei aqui Rocky Balboa, além de ter citado Frank Zappa e Bob Dylan, mas deve se jogar fora tudo que for inautêntico, e a ideologia média hoje em dia é a mais pura inautenticidade progressista. Não estou fazendo nenhum argumento moral também, afinal eu não me importo tanto com variação e diversidade, e já argumentei como diversidade foi positiva culturalmente, nem com imoralidade em si. Talvez, assim como vários dos existencialistas, o que mais me incomode seja não o mal em si, mas a inautenticidade.

Minha solução é construir uma espécie de mosaico de diferentes influências, onde olhando de perto eu consiga ver uma pecinha que seja a Joanna Newsom, outra pecinha que seja Ken Kesey, outra que seja Bob Dylan, outra Dostoiévski e outra Corção, assim por diante, mas olhando de longe eu consiga enxergar quem eu sou. É um trabalho árduo, mas é o melhor que consigo fazer.

Obviamente não estou dizendo que é solução para todos, mas é minha maneira de lidar com o estado das coisas.