Tutoria de como Viver

Comecei a dar aulas no mês passado. É uma experiência muito interessante, só não sei se é boa para meu ego, que já tem problemas de se conter, mas eu sempre tive vontade de fazer algo similar. Lembro-me de, em coisa de 2018 ou 2017, ter aprendido LaTeX para um trabalho e, para praticar, fui criando uma apostila de Cálculo 1. Hoje eu sei que ela estava bem ruim, existem ferramentas melhores para construir aquilo que eu queria construir, e eu poderia ter corrigido, mas talvez seja algo que deva ficar no passado.

Precisando de algum dinheiro, entrei em contato com uns amigos e eles me sugeriram uma pequena empresa chamada Telos, que age como uma espécie de agência de aulas particulares de reforço para alunos de Ensino Médio. Geralmente, quem mais procura são alunos com um pouco mais de dificuldade nas disciplinas de Matemática, Química e Física, e eu lidando com eles fui lembrado da mentalidade que eu não tinha há anos e anos, uma coisa triste e massificada, ainda que não pelos motivos pelos quais mais reclamam do sistema educacional — essas trivialidades de "ensinar pensamento crítico", "consciência social" e outros slogans.

Mirrors and smoke: distrações

Meu Ensino Médio foi uma experiência bizarra. Posso destrinchá-lo nos três anos, que lembro suficientemente bem. Em 2013, estava no primeiro ano, e tinha saído de um ano conturbado no Fundamental. No ano anterior, eu não só estava estudando de manhã, como ainda fazia, todo dia, aulas de reforços para a prova do Colégio Militar de Brasília — meu segundo concurso público, como um bom brasiliense, considerando que fiz a prova para entrar na Quinta Série em 2008, quando vivi algo similar em termos de aulas de reforço, mesmo tendo 10 anos —, e na escola normal eu fui introduzido pela professora de português, cujo nome infelizmente não lembro, ao livro 1984, de George Orwell. Recentemente, encontrei uma imagem na internet de um email de professora passando esse mesmo livro, mas sugerindo junto um vídeo do Felipe Castanhari para se compreender o que é o Fascismo. No meu tempo, não tinha nada disso.

"No meu tempo", sempre quis dizer isso. Aos poucos vou me tornando o velho que alimenta os pombos na praça enquanto reclama da vida. Talvez seja o destino do Sísifo moderno.

Mas seguindo o raciocínio, no meu tempo o livro simplesmente era entregue e tínhamos dois meses para lê-lo e fazer uma prova (outra coisa que abomino, mas não lembro em detalhes), não existia sequer roteiro de coisas importantes dados pela professora, muito menos "o que o livro significa", mas isso não vem tanto ao caso da história que quero contar. O ponto é que o livro de Orwell abriu um mundo para mim que eu absolutamente desconhecia, o mundo político. E aí voltamos para o Ensino Médio, especialmente o primeiro dos três anos. Cheguei a desfazer amizades por preguiça de "basiquice política" alheia — eu era edgy, galera! —, coisas das quais eventualmente me arrependi, mas no geral ainda foi uma época peculiar e de algum valor da minha vida.

O grande evento para alunos de Primeiro Ano de Brasília é o PAS, o vestibular seriado da UnB, e sendo alguém vivendo de fato a adolescência, isto é, interessado em política, eu não pensava em muito mais do que questões longes demais da minha realidade. É um problema real da política, ela te afasta das coisas ao seu redor em prol de narrativas abstratas que não te fazem dormir melhor no fim do dia. Por isso é um excelente meio de escapismo: se a sua vida pessoal é uma tragédia sem fim (não que a minha fosse, mas certamente tinha seus problemas que foram desenrolar em anos e anos), talvez política do nada pareça interessante.

Geralmente essas coisas são corrigidas com a realidade se impondo e dizendo: "ora, presta atenção! Isso aqui vai dar errado se você continuar assim!" Mas isso não valia tanto para mim, porque... mesmo estudando para o PAS por literalmente três dias, eu fui bem na prova. Caso eu mantivesse minha nota, provavelmente conseguiria passar em qualquer curso senão Medicina, em que nunca tive interesse (já notaram como Biologia é mal ensinada?)

Mas não entendam errado, eu não sou nenhum gênio. As provas dessas universidades que requerem métodos que consegui capturar muito facilmente. E, apesar de eu ter focado bastante na parte negativa do negócio, ainda devo confessar que esses interesses surgiram provavelmente numa época boa para isso, enquanto eu era adolescente. Provavelmente seria melhor eu ter tentado programar ou fazer algo do tipo, mas entendam: minha família era bem careta. O computador é a fonte de todo o mal para a criança, a verdadeira disciplina está em suportar a escola. Dadas essas restrições, a tecnologia foi transformada em uma espécie de fruto proibido tentador, e demorei até entender que ela poderia ser útil de verdade, ironicamente vendo como a minha família lida com isso, se fazendo de refém de algoritmos e feeds. Mas, de novo, isso não vem ao caso.

E eu não tenho nenhum ressentimento por ter me interessado por essas coisas na época, vejo como natural da minha idade na época, especialmente vivendo em um contexto onde qualquer expressividade fora da norma aceitável era rechaçada — tenho certeza que há quem defina algumas coisas familiares como bullying, quando na prática são só minérios da pedra que empurro acima da montanha. Talvez algo mais "técnico" e "sério" (ah, como odeio essa descrição) fosse exatamente o que eu deveria fazer, e até hoje carrego comigo algumas coisas dessa época. Meu professor de Sociologia, um ex-padre e ex-aluno de Engenharia, me sugeriu um livro de Weber, e meu interesse sobre a figura floresceu um pouco. Livros como The Fatal Conceit de Friedrich Hayek certamente me ajudaram a enxergar questões "macro" da maneira como enxergo agora. Muitos dos princípios que carrego até hoje (não tanto quanto pode parecer ao leitor) foram formados nessa época. Se não me engano em 2013 eu escrevi um texto bem-humorado, até onde lembro, chamado "Democracia do Ar-Condicionado" — essas brigas de sala de aula são estúpidas — mostrando que as votações que sempre são feitas para decidir uma coisa tão trivial quanto a temperatura de uma sala de aula tiram a responsabilidade de cada pessoa de saber sua própria sensibilidade ao frio. Obviamente o mais justo para todos é as pessoas se adaptarem ao calor da pessoa mais "calorenta", afinal é impossível se esfriar individualmente (não podemos arrancar as roupas por convenção social!), mas é perfeitamente possível trazer casacos e meias grossas. Tentar lutar contra isso é querer que o mundo inteiro se adapte às suas particularidades, independentemente da inconveniência para os outros.

Outra coisa positiva foi que aprendi Cálculo 1 também em 2013. Um dos professores de física chamado Borges, que até hoje considero o melhor que tive nessa disciplina mesmo considerando a universidade, abriu turmas para pessoas interessadas. Sempre fui o nerd da matemática, em algum ano do Fundamental lembro de ter resolvido o livro inteiro porque sim, então obviamente isso me interessou, e de fato eu tive uma boa base para Cálculo na univerdade. Hoje em dia falo com alguma segurança que enxergo Cálculo no geral (ao menos o que vi) melhor do que praticamente qualquer um que estudou comigo, e acho que esse contato ajudou.

E aí entramos em outro problema sério, que notei ainda quando estava no Primeiro Ano: eu estava sendo atrasado em disciplinas que gostava por pessoas que são mais devagares, menos talentosas ou menos interessadas nelas. Obviamente pensei em matemática, mas eu também tinha certeza que, numa sala de quarenta pessoas, eu provavelmente estava atrasando alguém em Biologia. Então clicou tudo: ensino formal é errado enquanto conceito.

Mas ainda piorou. No Segundo Ano, passei a ter aulas com o que provavelmente foi o pior professor de todos, dando aulas de História. Aliás, essa disciplina costuma ser mal ensinada, também. Entendo o argumento de que é importante conhecê-la, dou algum crédito para isso, e não estou tentando dizer que cada um deveria se isolar completamente em sua área (eu li A Arte de Escrever de Schopenhauer, não gosto de especialistas em uma única coisa, cof cof, Átila, cof cof, ok? Sei também que ele não gosta de parêntesis, e deve ser possível pular esses aqui inclusive). O problema é que os diferentes interesses de diferentes pessoas têm caminhos para áreas distintas. Estou aqui escrevendo sobre como tinha (e tenho) interesse por conceitos matemáticos, mas quase tudo sobre o qual escrevi não era relacionado com isso, afinal.

E aí que clicou: eu não gosto de política de verdade. Talvez eu gostasse de teoria política, ou de economia (quase tudo que li no ano anterior foi teoria econômica), mas não de política em si. Política na prática é um mundo sujo, basicamente fofocas que vão longe demais sendo sobrepostas por teorias já prontas (lembro de uma aula sobre pensamentos iluministas onde o tal professor mencionado antes falou do socialismo francês como algo bom demais para ser verdade e dos liberais como ingênuos/mal intencionados/burros — e spoiler: não sou liberal —, como se David Ricardo fosse completamente resumido à sua teoria de preços). E nem era mera impressão minha, era só o entendimento de que aquilo ali era uma maneira fundamentalmente errada de se ensinar História.

Essa visão, então, me fez me afastar completamente de História. E não é como se ela estivesse errada, só era muito fechada, resumindo a área a isso e apenas isso. E novamente, ao final do ano, eu fui bem na prova do PAS, repetindo o mesmo ritual de estudar três dias antes, e tendo minhas teorias confirmadas, afinal nada de errado acontecia, aparentemente. Meu interesse em História só foi voltar depois de entrar na universidade, lendo um livro de história da Matemática. É subestimado o quanto que as filosofias matemáticas influenciaram eventos históricos extremamente relevantes, da descoberta das Américas até a ida do homem à Lua.

Voltando ao assunto, meu último ano de Ensino Médio foi surreal. Na época, o prédio no qual eu morava estava passando por uma reforma. Poeira em todo canto, foi até necessário ir eventualmente para um hotel, noites de sono terríveis, as primeiras, mas definitivamente não as últimas, o sentimento horrível de ter lido Maquiavel Pedagogo, falta de motivação para absolutamente tudo. O resultado foi: dormi em absolutamente todas as aulas que não me interessavam, às vezes até sendo acordado por estar roncando! Como eu estava num inferno astral, minha motivação passou a ser passar no vestibular no meio do ano, descartar o PAS. Assim, pensava eu com 17 anos, nunca mais teria de lidar com aulas completamente desconexas das coisas de meus interesses. Heh.

Falando em meus interesses, tenho que abrir um parêntesis para falar de algumas disciplinas. Artes Visuais foram bem ensinadas, o professor, cujo nome também não lembro, era uma figura relativamente normal, mas que ensinava bem os princípios de cada período artístico sem se envolver muito com opiniões, e isso funcionou bem. Em literatura, os contos de Machado de Assis também me pegaram: até hoje me identifico com Pestana! Mas de longe, a melhor surpresa foi uma nova professora de Música, que tinha fama até de carrasca por ensinar teoria de verdade em vez de fazer discussões abstratas sobre fenômenos musicais meio que aleatórios (pode até não terem sido assim as aulas que tive com o antigo professor, mas definitivamente assim que elas ficaram na minha mente).

Essa professora, Iara, era uma figura interessante. Ela tinha interesse grande em compositores modernistas, daqueles que ninguém entende quando tem 17 anos, e falava de John Cage com um entusiasmo dificilmente partilhado pelos alunos. Ao menos em 2015, o que interessava à maioria dos alunos, meninos, na aula dela era... bom, melhor deixar para lá. Mas eu percebi aí que tinha algum interesse pelo que era estranho. Eu já conhecia figuras do jazz como John Coltrane, Miles Davis e outros clássicos, mas ela trouxe o que chamou de "jazz atonal" para vermos, e eu... gostei. Já conhecia obras como Trout Mask Replica, e tudo aquilo começou a se encaixar lentamente. Dado o meu cansaço absurdo, estou certo de que não demonstrei tanto ao ponto de ficar visível, mas isso provavelmente foi o ponto alto do meu Ensino Médio.

Por outro lado, se eu não tinha interesse em uma aula, eu dormia, discutia com professor, focava em outras coisas — foi o último ano em que mantive meu hábito de 4 ou 5 anos de escrever letras de músicas à mão para memorizá-las, hábito que começou cedo e provavelmente teve seu auge com 14, 15 anos e letras do Bob Dylan. Isso era extremamente desgastante, e lembro de ter chegado a tirar 0.5 em uma prova de física (cujo conteúdo não foi ministrado por aquele das aulas de Cálculo) porque simplesmente não prestei atenção em aula alguma. Nos dois anos anteriores, essa era minha fórmula do sucesso: prestar atenção em aula o suficiente para não precisar estudar, treinar um pouco antes do PAS e tirar uma boa nota. Ver algo desse tipo mudou minha perspectiva, eu não ia conseguir seguir isso de novo.

E então eu decidi estudar para o vestibular e unicamente para ele. Não foi muito mais do que o de costume, em vez de dois ou três dias foi uma semana, imediatamente antes da data. De manhã, durante a aula, eu fazia a prova de humanas, de tarde — provavelmente também durante aula — eu fazia a de exatas, e de noite redação. E... funcionou. Passei em segundo lugar para Engenharia Química na UnB. No ano anterior, fiquei em quadragésimo, de 34 vagas. O tema da redação, lembro bem, foi a relação entre arte e ciência, e eu já tinha interesse nesse tipo de assunto. Em algum dos anos anteriores, cheguei a comprar Principia de Isaac Newton, tentando entender como ele pensava, justamente por questões desse tipo. E eu sabia que tinha duas grandes áreas de interesse: minha ob

Era minha vitória absoluta, eu venci o Ensino Médio contra todas as correntes e todas as probabilidades, mantendo disciplina mínima necessária, ou menos que isso.

Até chegar a universidade.

Em procura de uma alma

Não me entenda errado, a universidade é um lugar completamente desconexo da realidade ainda, mas ao menos no Ensino Médio você tem alguma proteção institucional. Particularmente, não acho ela positiva também, especialmente vindo de uma família que me protegia muito mais do que deveria, mas em universidade a loucura é institucionalizada.

Em meu primeiro semestre, só tive uma disciplina que realmente me dava vontade de assistir às aulas, Introdução à Álgebra Linear. Curiosamente, o professor tinha fama de carrasco (e ele era rigoroso mesmo), mas a aula era absolutamente incrível. Não só isso, com ele aprendi a me organizar enquanto resolvia questões elaboradas, o que me ajuda até hoje caso eu tenha que, por exemplo, escrever um texto. Outra coisa peculiar é que muito do que aprendi com ele em questões de organização eu passei, ou tentei passar, para alunos neste último mês. E segura mais um pouco, que eu vou voltar nesse assunto.

Peguei outra disciplina com esse mesmo professor no semestre seguinte — Cálculo 3. Novamente, foi muito bom. Arthur Vicentini se aposentou um semestre depois, e essa era a última disciplina que eu poderia ter pegado com ele. Coincidentemente, ou não, foi a última disciplina realmente inspiradora que fiz na UnB.

Com o tempo, eu fui perdendo interesse em essencialmente tudo, minha vida se tornava apenas o grind universitário. Meus interesses artísticos estavam quase que esquecidos — exceto, claro, Bob Dylan —, eu estava com pouquíssimas experiências realmente significativas na minha vida. Não sei como sobrevivi, para ser sincero. E em paralelo, não é como se minhas estratégias de Ensino Médio funcionassem no Ensino Superior.

Não importa, exatamente, se você presta atenção na aula ou não. Ora, não importa nem se você sabe a matéria bem ou não. Para casos pivô na minha formação, o que se deveria fazer era simplesmente aceitar e seguir. Mas isso nunca foi meu forte. Sou uma pessoa com particular aversão a desgosto, e ir para aula de uma disciplina que deveria ser complexa ter que perder tempo com aula de conversão de unidade com professores que, francamente, provavelmente nem entendem bem a disciplina que eles mesmos estão dando... me deixou mal.

Simplesmente não tem como você ensinar de verdade mecânica de fluidos para um aluno de engenharia sem saber o significado das ferramentas matemáticas de cálculo. A primeira equação importante da disciplina era

\[\nabla \cdot \pmb{v} = 0\]

Ou

\[\langle \nabla, \pmb{v} \rangle = 0\]

Se a pessoa me lecionando soubesse (talvez ela saiba, só Deus para dizer, mas não dava aula como se soubesse) alguma coisa sobre campos vetoriais, que é uma classificação matemática na qual a velocidade se encontra em mecânica de fluidos, ela poderia ter tornado esse assunto extremamente interessante.

Um campo vetorial é uma função que associa a cada ponto do espaço um vetor. Se temos água escorrendo dentro de um cano, dentro dele, em cada ponto, uma partícula de água tem uma determinada velocidade. E, por razões matemáticas que já expliquei no Quora mas não sei se valeria a pena explicar aqui, essa equação que mostrei significa que o fluido em questão é incompressível, se tiver essa característica.

É difícil falar disso sem entrar em detalhes de cálculo vetorial, que foi de longe minha matéria favorita na universidade e mudou completamente minha maneira de ver diferentes fenômenos, mas nada disso eu consegui em sala de aula (imagine só a dor de estudar equações de Navier-Stokes dessa forma). O que eu estava vendo na classe era trabalho de técnico — e nada contra trabalho para técnicos, só não acredito que eles devam a mesma função de engenheiros, ou então o caminho de cursar a faculdade seria só um percurso mais longo na mesma corrida. E talvez deva ser. Mas eu queria ver um conteúdo real, e eu não estava recebendo isso. Cheguei a comprar um livro da disciplina, que foi desperdício de dinheiro porque a aula definitivamente não exigia isso. Chegou num ponto em que eu simplesmente desisti de ir às aulas de Mecânica dos Fluidos, e reprovei por desgosto.

Curiosamente, minha experiência acadêmica inteira foi contrária à dos meus colegas de turma. Quase todos professores de quem eles reclamavam eu considerava os mais decentes. Não teve nenhum muito bom, e às vezes tinha uma rara unanimidade, mas no geral era isso. Na segunda tentativa nessa disciplina, era um dos casos de professores odiados por todos, mas que eu ao menos acreditava estarem fazendo o mínimo. Era uma figura bem mais matematicamente rigorosa que a anterior — apesar de ser menos do que aparentava achar — e talvez por isso não gostassem dele. Mas eu me dei suficientemente bem, seguindo uma filosofia simples: é a única turma que tem, reclamar não vai adiantar nada. Lembro bem de ter falado algo extremamente similar a isso numa discussão no grupo de WhatsApp dos alunos da disciplina: não precisamos tornar tudo mais miserável do que já tem que ser.

Por mais que eu tenha tido uma experiência positiva eventualmente na parte mais "acadêmica" da coisa, na disciplina de Transferência de Calor com o professor Edgar Amaral, já era tarde demais. Eu já tinha desistido. Inclusive, no semestre anterior, eu contemplei seriamente largar a universidade, e possivelmente era a coisa certa a se fazer.

E isso me leva a outro assunto: a cultura universitária. Ela é vagamente unida por alguma coisa abstrata que tem uma pequena importância na vida de todos, a universidade, mas os vácuos nas almas dos alunos faz eles se unirem rapidamente em trivialidades.

Acredito que não conheci mais do que cinco pessoas em todos meus anos de UnB que tivessem algum, qualquer desenvolvimento estético. Nem que fosse algo primitivo como participar de uma tribo urbana de nicho, alguma menina que tenta ser gótica, algum rapaz que tentasse emular seus artistas favoritos. Nada. Absolutamente nada. Era sempre o consumo de massa, os mesmos interesses comerciais e mesmos discursos padronizados em mídia. Isso vale desde as baladas de sertanejo genérico até as opiniões políticas, cada vez mais aparentes mesmo em um curso de exatas, uma categoria que costumava estar a salvo disso, tiradas diretamente de celebridades e da televisão. Em termos acadêmicos, o que mais se ouvia era reclamação e fofocas sobre professores e brigas internas. As reclamações que eu ouvia, e respondia com "reclamar não vai adiantar nada" eram todas dessa natureza: reclamar por reclamar. Algum dia escrevo sobre o meu processo de reclamação.

Em algum momento eu percebi que era isso que o "sistema" (hahaha, essa palavra!) queria para mim.

Ruptura

Percebendo isso, não antes de ter vários problemas, eu simplesmente parei de ligar. Claro, ainda sentia o estresse absurdo de simplesmente estar na UnB — eu sei que estar naquele lugar em si causa ansiedade para boa parte dos alunos —, mas eu tentaria torná-lo um pouco mais suportável.

Voltei aos meus interesses estéticos aos poucos, indo atrás de conhecer sobre animação da Era de Ouro, por exemplo. Conheci Joanna Newsom, que passou a habitar o meu inconsciente com seus épicos ao som de harpa, e Tom Waits, que me mostrou um lado diferente da alma humana. Figuras como Kanye West passaram a me intrigar profundamente, especialmente dada aquela controvérsia dele apoiar o Trump em 2018. Esse caso em específico pode até parecer político, mas o que eu queria entender era a maneira de West pensar, e não a consequência final disso. Até hoje acredito que tentaram passar uma imagem de que ele era insano. E talvez fosse mesmo, o que indica que deveríamos ainda mais ter prestado atenção nele. Li pela primeira vez Dostoiévski em algum momento também de 2018, Memórias do Subsolo, e foi cementado de vez o meu problema com tudo isso: eu sou fundamentalmente uma pessoa romântica, e tudo que a universidade representa é o contrário disso, um conformismo pseudo-pragmático.

Não estou falando de fantasiar com mulheres que podem ou não jogar vôlei e podem ou não ter mais de 1.80 de altura, podendo ou não ser nascidas nos Países Baixos. ... Claro. Eu falo de querer viver fundamentalmente por ideais, de querer poder seguir o caminho que acredito ser o certo, acabar me dando muito mal de alguma forma. Romântico no sentido existencial da coisa. Meu melhor texto, O Sísifo Carioca, é essencialmente romântico, e é nesse sentido que eu falo.

Isso tudo porque eu gosto de individualidade. Não aguento ver pessoas se censurando, se moldando para encaixarem no status quo ainda que umas digam que lutam contra ele. Acredito que, se você tem uma peculiaridade, deve abraçá-la e desenvolvê-la ao máximo, porque é isso que te torna diferente dos outros. Quando eu estava no Ensino Médio, ainda conseguia ver nichos diferentes de pessoas, grupinhos e panelinhas de gente que pensa parecido. Isso, por mais patético que seja, ainda é algum indício de alma. Agora, ir para os mesmos eventos, com os mesmos objetivos, cultivar os mesmos hábitos, ouvir os mesmos sertanejos e k-pops... isso não é vida. Isso é o contrário de vida.

No meu verdadeiro vídeo de formatura eu tentei contrapor exatamente a experiência universitária brasiliense com os poucos confortos que o dia-a-dia por lá nos dava. O concreto, a arquitetura decadente pós-soviética da cidade... contraposto com a beleza do cerrado. Também poderia ter colocado imagens dos poucos amigos feitos, mas não os gravei e não salvo fotografias alheias (além de não querer expô-los na internet sem consentimento). É algo meio melancólico, com certo sentimento misto de apego e violência por trás — daí a música escolhida — mas como um amigo disse, ao menos eu sobrevivi. Não foram todos que tiveram essa sorte. Suicídios são perfeitamente racionalizáveis, e Brasília tem até um shopping famoso pelas dezenas de suicídios que ocorreram nele.

O que eu não conseguia tolerar especialmente nos anos mais problemáticos era a desconexão entre o que era esperado de mim, que era a maneira como eu tentava agir, e o que eu gostaria de fazer. Essa incongruência me matava por dentro, e se hoje eu tenho dificuldades materiais maiores, ao menos eu não tenho o peso existencial que carregava nessa época.

Como chegamos aqui?

Isso tudo surgiu na minha cabeça enquanto eu andava de ônibus, me perguntando por que eu tinha dito para uma aluna pular o enunciado praticamente inteiro numa questão e ver primeiro a pergunta final. Eu estava lendo Recordações da Casa dos Mortos, do Dostoiévski (que, aliás, constantemente me lembra da obra de Johnny Cash), e lembrei-me de ter dito isso. "Ora, e se alguém fizesse isso lendo um romance?"

Isso é um exemplo relativamente menor de hábitos que foram desenvolvidos por mim por causa do sistema educacional. Agora, em uma nova etapa da vida, espero estar fazendo uma diálise de todos esses problemas.

Estou gostando bastante de dar aulas, talvez porque eu tente mostrar como enxergar as coisas de uma maneira um pouco diferente da usual. Claro, existem casos em que simplesmente não há como ensinar de maneira "criativa", por falta de termo melhor, mas onde eu puder fazer algum aluno ter um momento mínimo de insight, eu gostaria de poder.

Obviamente estou no começo, mas sempre tive algum pé nisso: sempre gostei de ensinar amigos, criei uma apostila de Cálculo 1, como disse antes, tenho certo problema de ego (minha menção no começo do texto a isso não foi apenas uma piada)... a receita está pronta. Agora é tentar fazer o meu melhor.

Mas, claro, preciso manter os pés na realidade: se eu encontrar algum emprego que me seja mais confortável, tenho que seguir a vida. Gostaria de dar aulas, em algum momento, puramente por prazer sem precisar me preocupar com questões financeiras, mas não é o caso por enquanto e não adianta ficar idealizando uma situação hipotética. É preciso ter alguma gratidão e algum apreço pelas coisas como elas estão, afinal poderiam estar bem piores. Afinal, eu poderia não ter sobrevivido.

Meu conselho para todos os adolescentes de Ensino Médio é resumível em uma pequena lista que escrevi uns anos atrás, a tutoria de como viver sem ser uma pessoa obcecada com questões acadêmicas:

Gostaria de finalizar essa lista com "não curse universidade", item que provavelmente está certo mas não posso garantir por experiência própria ainda. Não acredito por um instante que todo o sofrimento acadêmico valha a pena um diploma. Se meus acertos foram poucos, gostaria pelo menos de passar algum ensinamento com meus erros. Talvez isso que eu tenha que focar em passar para a frente.

E, agora que empurrei minha bolota de minérios para o topo da montanha, é hora dela cair novamente.